O filme começa
com o anjo Damiel no alto da Gedachtniskirche, igreja berlinense
bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial (e mantida em ruínas
após o conflito como símbolo histórico) olhando a humanidade, numa
antítese do anjo que vê dos céus os homens e sua destruição.
Nos primeiros
minutos a câmara (subjetiva, que simula o olhar de um personagem)
está no alto, vendo lá embaixo a cidade, e nós vemos o mesmo que
os anjos veem.
E eles descem à
Terra, caminham entre nós, estão nos carros, trens, bus e metrô,
ouvem nossas súplicas e (principalmente) nosso silêncio e observam
tudo (e às vezes intervêm).
Numa época
dividida (literalmente) pelo muro, e pela guerra fria, ideologias,
economia, política insegurança, dores e saudades, num cenário
devastado e pessoas oprimidas, os anjos Damiel e Cassiel tentam
consolar.
A relação entre
os anjos e os humanos é enriquecida pelo fluxo de consciência
(stream of consciousness, técnica literária que usa associação de
ideias; raciocínio lógico e impressões pessoais) e está presente
na cena em que Damiel tenta aplacar o desespero de um homem
acidentado e na que Cassiel tenta evitar o suicídio de um rapaz, que
pula do prédio, apesar dos seus esforços.
Ainda que a
ambientação remeta à política o diretor fala sobre humanos – e
anjos. E se os anjos de Wim Wenders estão em Berlim é porque era a
metrópole do país do cineasta. O muro dividindo a cidade não
importa, para os anjos, a cidade dividida em duas é uma só, e
Berlim, mais do que cenário é um personagem.
“As Asas do
Desejo” é um filme reflexivo que observa a vida, a passagem do
tempo, a consciência a respeito de si, a descoberta da própria
identidade e o
existencialismo.
Os anjos
reconhecem as dores mais profundas da humanidade e imaginam reações,
mas não são capazes de sentir as alegrias e a materialidade, nem
podem experimentar o amor, que Damiel começa a sentir por Marion. Em
uma conversa com Cassiel ele revela seu desejo de se tornar humano e
experimentar um mundo, como ele mesmo diz: de poder “achar” em
vez de saber.
Se na sociedade
racional não acreditamos mais em anjos, então eles não existem.
Se existem, são
infelizes. Se são infelizes, merecem ser salvos sendo reconduzidos à
condição de mortais para então receberem a graça de ter um anjo
em suas vidas :p
Na Alemanha,
Der Himmel über Berlin, O Céu Sobre Berlim, o título
original.
Em todo o mundo, As Asas do Desejo, sem dúvida exprime o plot: anjos que
desejam e Asas do desejo é um longo voo.
O divino e
o humano estão presentes na cena em que Damiel e Cassiel
estão na biblioteca pública de Berlim
num travelling (movimento de
câmera em que ela se desloca no
espaço ao contrário da panorâmica
em que ela gira sobre o próprio eixo sem se deslocar)
em que a câmera não para um
instante passeando por todo o local,
enquanto as pessoas leem, com os anjos ao seu lado,
mistura dos mundos, numa referência ao
conhecimento, maneira com a qual os homens vivem
na posteridade.
O desejo de
Damiel para se tornar humano é atendido e o anjo caído descobre a
primeira dor humana ao ser atingido na cabeça por um objeto e sente
fome pela primeira vez.
A fotografia, até
então em preto e branco, se transforma cheia de cores com todos os
tons da vida.
Wim Wenders nos
mostra que enquanto muitos de nós queremos mais do que o tempo que
nos foi dado para viver, alguns anjos, cansados da eternidade,
gostariam mesmo era provar o gosto de um café, um aperto de mão, um
abraço, e claaaaaaaro, o amor.
Premiado em
Cannes, e considerado um dos melhores da década de 80, o filme tem
força e beleza que instauram uma atmosfera de mistério absoluto.
Agradeço ao
Hugo, do blog Cinema – Filmes e Seriados (aqui) pela indicação.
Uma
aula de cinema, de história e existencialismo.
Assistam, quem se
envolve na sua poetice, sempre irá recordar-se dele.
Abraços
Literários e até a próxima.